Conheça a história da Festa de São Benedito em Guaratinguetá

São Benedito
São Benedito aconchega o coração dos fiéis mais simples

imagem: Fábio Seletti

São Benedito é comemorado sempre após a quaresma nas cidades de Aparecida e de Guaratinguetá. Isso é tradição! Exceto o município de Lorena, onde a festividade acontece em 05 Outubro, seguindo a Liturgia romana, nas cidades vale paraibanas o santo é comemorado na segunda-feira, de Páscoa.

Mas não fica a pontinha de curiosidade para saber porque a festa do santo é comemorada logo na segunda após a Páscoa?

É claro que fica: a Festa de São Benedito é tradição antiga. Está viva e permanece firme em Guaratinguetá há mais de 250 anos, ou seja, é uma manifestação religiosa e cultural que floresce no tempo da escravatura.

Esse florescer viabiliza e perpetua um casamento entre a devoção ao homem negro, Benedito, e tradições típicas dos escravizados.

Assim, há o desenvolvimento de uma forma de culto tipicamente brasileira – que bebe da tradição e na cultura dos africanos escravizados, que adaptam seus modos e suas formas de exaltação ao santo à realidade das imposições da Colônia.

Por isso, pontuar (quantas vezes forem necessárias!) que Benedito era um homem negro é de fundamental importância na compreensão da devoção das pessoas em relação a este santo católico. Porque a grandeza da devoção a Benedito tem suas raízes justamente em uma época em que as pessoas negras tinham suas liberdades – todas elas – negadas.

Para fins de análise da devoção, é importante reforçar que a liberdade de culto também não existia. Então essas pessoas tiveram que adaptar as suas devoções a uma realidade muito diferente daquelas em que viviam em suas terras natais.

São essas características bem fortes que fazem com milhares, senão milhões, de brasileiros levem suas preces diárias diante da imagem desse santo homem, que em vida nos foi uma doce lembrança do Cristo.

Mas é necessário ainda responder a uma pergunta…

Por que a festa acontece na segunda, de Páscoa?

A história da festa remete a tempos antigos. Os senhores vinham para as cidades comemorar a Ressurreição do Cristo. Os escravizados então aproveitavam o momento para também fazer os seus encontros e celebrações, em diversos congados, molejos e cores. Além de toda uma cavalaria, conforme veremos mais à frente.

Nesses primórdios (século XVIII), havia uma manifestação cultural e religiosa organizada. Era uma grande manifestação que envolvia pelo menos um almoço de domingo – favorecido, até certo ponto, financeiramente pela ajuda econômica dos senhores.

Então, por que São Benedito é tão comemorado?

Vamos conhecer um pouco sobre a história do santo.

São Benedito é sobretudo um santo do povo, porque foi um homem negro e possivelmente filho de escravizados.

Banedito Manasseri nasceu em 1526, na aldeia de São Fratelo, na Itália. Os pais, Crisósforo Manasseri e Diana Lancari, possivelmente eram escravizados. Ambos, católicos fervorosos.

Essa versão não é exclusiva, existem apontamentos históricos de que o Benedito era filho de escravizados, vindos da Eitiópia.

Nascido na Sicília, região no extremo sul do país, em uma data incerta entre 1524 e 1526, tinha como característica a pele escura, que lhe rendeu o apelido de “mouro”.

O garoto teria crescido pastoreando os campos. E desde criança era visto como “o santo mouro” em decorrência de seu exemplar comportamento.  Quando se decidiu pela vocação religiosa, tornou-se interno do Convento de Santa Maria de Jesus, em Palermo.

Sua vivência foi muito benéfica para a sociedade. Além de orientador espiritual de muitos, como nobres, sacerdotes e teólogos, tinha fama de milagroso: a intercessão de Benedito teria curado muitas pessoas (em vida!).

Faleceu em ares de santidade em 4 de abril de 1589, sendo canonizado em 1807, pelo papa PIO VII.

Porém, mesmo antes da beatificação, em 1652, era considerado o santo padroeiro de Palermo. Com as devoções populares e o reconhecimento da santidade de Benedito, foi aclamado como santo protetor de toda população afro-americana, especialmente dos cozinheiros.

Mas seja como for, o santo é de origem humilde. E essa é a principal tônica da devoção a São Benedito.

São Benedito é um santo hospitaleiro

Benedito era franciscano e trabalhava como cozinheiro. Por isso é padroeiro das pessoas que trabalham na cozinha.

Essa característica marcante da vida do santo cria uma maravilhosa conexão com um dos pontos mais fortes da devoção, o catolicismo popular, que se manifesta de diversas formas. Principalmente na devoção a São Benedito.

Acontece quando os devotos oferecem um copo de café ao santo e o deixam ao seu pé em um altar, que normalmente é se localiza na cozinha.

O catolicismo popular também acontece em manifestações coletivas, com as procissões dos mastros e moçambiques – que são religiosidades não contempladas na liturgia oficial da Igreja.

São manifestações de fé tipicamente populares, que se encontram no dia a dia das pessoas e que estão em conexões com os ensinamentos dos ancestrais – dois pais, dos avós, enfim…

Assim, Benedito ocupa esse tipo de religiosidade em decorrência da sua vida de serviço, de hospitalidade e da vivência na humildade. Sobretudo como santo cozinheiro.

Não é por acaso que São Benedito é um dos santos mais amados pelos brasileiros

Nos altares da bela e singela igreja de Santa Maria de Jesus (na Itália) encontram-se os restos mortais de São Benedito – semi-incorruptos. Desde pequeno, dedicou uma vida de amor ao próximo e à caridade.

Chegou a ser mestre de noviços e superior na sua comunidade religiosa.

Os polos de serviço do santo eram oração e serviço – além disso, conservou uma especial devoção ao Menino Jesus. E passava longas horas de oração diante de uma imagem de Nossa Senhora – que ainda se conserva no Convento.

Conta-se que a imagem de Nossa Senhora costumava transformar-se na santa e entregava o Menino Jesus em pessoa para Benedito.

Mas em época de conflitos sociais profundos, nem tudo é sobre religião e fé

Houve movimentos consistentes por parte da Igreja Católica para introduzir o catolicismo romano aos africanos escravizados, na época da expansão do mercantilismo pelo mundo.

As irmandades de pretos na Europa surgiram como forma de trazer essa adaptação, sobretudo levando controle às suas práticas.

Com a penetração do cristianismo adentro ao continente africano, houve uma florescência de confrarias – em decorrência de práticas religiosas que já eram praticadas por pessoas escravizadas antes de serem capturadas e trazidas para o Brasil Colonial.

Em Portugal, Espanha e América Espanhola institui-se o costume da coroação de reis e rainhas negros – que eram autoridades dessas confrarias. Mas foi no Brasil que essa prática teve maior expressividade, adequando-se às expressões populares – que persistem alegremente até a atualidade.

No Brasil, durante o século XVII houve um desenvolvimento interessante dessas irmandades: com aparecimento de festividades no Rio de Janeiro, em Belém e na Bahia, a composição étnica era de basicamente centro-africanos. Esses, eram a maioria nos pequenos aglomerados urbanos da época.

As irmandades de Nossa Senhora do Rosário e de São Benedito, ambas surgidas no Rio de Janeiro, em 1639, foram reconhecidas 30 anos após suas fundações.

Do ponto de vista religioso, essas irmandades têm a sua importância como uma forma de consolidação e de institucionalização do chamado catolicismo “tradicional” ou “popular”. Isso também porque essas confrarias se fundamentaram como ordens legais, de leigos. No caso, eram pessoas que não tinham ligação alguma com o que entendemos como cristianismo oficial/ romano.

Dentro desse catolicismo popular havia espaço para o imaginário mágico: porque extrapolava as versões oficiais e eram trazidas visões remotas – como africanas e ibéricas.

Um bom exemplo dessas manifestações populares são os Santos Antônios em nó-de-pinho. Eram artefatos do século XIX que demonstram integrações entre práticas africanas e europeias.

Essa visão religiosa inclusive partia dos próprios escravizados. A mescla das tradições está incutida na própria forma como o escravizado fazia o seu culto – os de origem banto e seus descendentes, que em sua maioria foram trabalhar em lavouras cafeeiras, traziam suas formas ritualísticas, como a cruz, muito antes dos europeus aportarem para a colonização na África.

Nesse sentido, ainda que o objeto fosse o mesmo, como a Cruz, havia formas de interpretá-los e de utilizá-los conforme a proposta ritualística.

Dentro dessas práticas, é possível identificar as ermidas e cruzes em cercanias de estradas e aldeias, com ereção dos primeiros locais de culto e em espaços afastados e solitários.

Nessas localidades surgem as primeiras irmandades que passam a cuidar desses pequenos templos, buscando sempre a proteção dos santos e a boa morte.

Essas adaptações viabilizaram o encontro de diferentes etnias se encontrassem em um complexo cultural que antes era fundamentado exclusivamente pela ancestralidade baseada no parentesco.

Vamos conhecer sobre a história da Festa em Guaratinguetá

Onde tudo começa: na Paróquia Puríssimo Coração de Maria

Confira a nossa galeria de fotos da Festa de 2023:

Festa de São Benedito 2023 - Paróquia Puríssimo Coração de Maria

Caso você prefira, confira a galeria de imagens da festa da Paróquia Puríssimo Coração de Maria aqui

A capela de São Gonçalo surge em Guaratinguetá em 1726, ilustrando claramente essa veia tradicional e popular do catolicismo brasileiro.  Foi construída em um lugarejo chamado Caminho da Piedade, “pela devoção do homes de Caminho, cavaleiros, tropeiros e viandantes”.

A capelinha foi erguida em decorrência dos “viandantes” e não há menções na época sequer à existência de alguma irmandade relacionada com essa devoção a São Gonçalo – que foi frei dominicano eremita e beatificado na década de 1560.

Em Guaratinguetá, em decorrência da construção da capelinha para este santo, algum tempo mais tarde o local passaria às mãos da Irmandade de São Benedito e o novo patrono agora ganharia destaque nas devoções do local.

Mas era algo propriamente simples e popular, porque os irmãos e irmãs de São Benedito eram pessoas simples, em sua maioria escravizados.

Mesmo assim, se sujeitavam a pagamentos das mensalidades para fazer parte do grupo, além das funções correlacionadas a ordem. Porque era uma forma de atenuar o jugo dos senhores e do Estado. Estando sempre sujeitos a indigência e à escravidão, buscavam socorro na confraria. Os princípios de convivência eram bastante práticos por causa dos problemas de convivência com os senhores e com as leis da época:

  • O funeral e enterro dos irmãos era responsabilidade da confraria;
  • Oferecia auxílio mútuo;
  • Os enfermos recebiam socorro.

Essa forma de organização repercutiu no cristianismo da época para os dias atuais. Incidiu na religião e na organização social, dentro das relações formais e informais.

Assim, juntamente com os recursos materiais oferecidos pela Irmandade, desenvolveu-se naquela época uma espécie de “cristianismo moreno” – porque se adaptou a expressões culturais de fora da Europa, havendo real mistura com com o paganismo.

“Um catolicismo negro que se conserva dentro das confrarias e que, não obstante a unidade dos dogmas e da fé, apresenta características particulares”.

Roger Bastide – sociólogo francês

Sobre a estruturação da irmandade de São Benedito

A Irmandade de São Benedito, localizada em Guaratinguetá, é uma das mais antigas do Vale do Paraíba. Sua fundação é de 1757, na época denominada de “Irmandade de São Benedito dos Irmãos Pretos Cativos da Vila de Guaratinguetá”.

Em 1891, o bispado de São Paulo autorizou a irmandade a erigir uma capela no mesmo local onde se situava a de São Gonçalo do Amarante.

Outro fato importante é que a primeira irmandade de pretos em Guaratinguetá não foi a de São Benedito, mas a de Nossa Senhora do Rosário, fundada em 1727. A capela relacionada ao grupo, demolida em 1935, situava-se na atual Praça Conselheiro Rodrigues Alves, em Guaratinguetá.

Em relação a igreja de São Benedito, situada no atual bairro de mesmo nome, houve descaracterizações com o tempo, após inúmeras reformas. A arquitetura era “caixote”, típica do século XVIII.

Uma manifestação contemporânea em devoção ao santo: a Festa de São Benedito no bairro do Campo do Galvão

Confira a nossa galeria de fotos da Festa de 2023:

Festa de São Benedito 2023 - Bairro do Campo do Galvão

Caso você prefira, confira a galeria das fotos da festa do bairro Campo do Galvão aqui.

Em documento do Arquivo Público, do Museu Frei Galvão, em Guaratinguetá encontra-se uma breve documentação sobre o bairro Campo do Galvão, com vários autores e anotações sobre a evolução da comunidade em sua situação inicial – como vila de pescadores e agricultores – até os dias atuais.

Nesse registro encontram-se principais pontos de referência locais, como escolas, empresas e a igreja de São Benedito.

Nesse sentido, é interessante complementar a história de elevação da igrejinha com a do bairro, porque as duas estão diretamente conectadas:

A constituição do Campo do Galvão

No primeiro texto, intitulado História, do Museu Frei Galvão, e que não tem autor assinado consta que o Campo do Galvão é originado de uma colônia de pescadores e agricultores estabelecidos na região entre séculos XVII e XIX.

No documento também consta que é possível encontrar o livro de Atas da Câmara Municipal de Guaratinguetá, de 1837, com documentos de doação de terras para povoamento do bairro. A primeira referência a algum nome de rua se faz em um documento de 1853 – Rua dos Pescadores – atualmente denominada, Coronel Pires Barbosa.

A Capela de Santa Cruz

O historiador guaratinguetaense, Benedito Coupé, faz sua cronologia sobre a igreja da Santa Cruz no Campo do Galvão:

– “1935, Dia 8 de agosto. Benção e inauguração da igreja de São Benedito no Campo do Galvão, pelo pároco Romão da Rosa Góes, pároco de Santo Antônio.”

– “Anos 60 – Demolição da antiga Igreja de São Benedito e construção da atual  no mesmo local daquela de 1898″.

Além da referência de Coupé, Guiomar Gonçalves explica sobre a Capela de Santa Cruz no bairro do Campo do Galvão. A autora relata que entre a rua Anchieta e Benedito dos Reis havia uma capela pública de visitação frequente dos fiéis do Campo do Galvão. Era dedicada a Santa Cruz. A igrejinha servia para que pessoas pernoitassem nos velórios e após ao atendimento dos cemitérios.

Sobre a Capela e a Festa de São Benedito

O texto que também se encontra no Museu Frei Galvão é assinado por – Josephina (Rozinha) Cavalca Antunes, Jurandir (Ju) Antunes e Maria Aparecida Bicudo.

Relatam que a concessão do terreno para construção de uma capela destinada a São Benedito é encontrada na Ata de Sessão de Câmara de 2 de maio de 1853.

No dia 1 de janeiro de 1930 o prefeito lançou pedra fundamental para construção da nova capela (foi uma doação).

Então, a igreja foi construída no mesmo local da capela de Santa Cruz, iniciada em 1935.

A cerimônia de inauguração ocorreu em 4 de agosto de 1935:

“A Capela foi inaugurada com a benção das imagens dos padroeiros e Missa solene celebrada pelo padre José Romão Roa Góes”, abrilhantada com a presença do estimado Frei Celestino”

No entanto, a existência igreja não foi duradoura. Foi demolida.

Em 1955 uma comissão de moradores do Campo do Galvão pediu ao vigário local (monsenhor Bindão) a construção de um novo templo – em decorrência de má preservação do imóvel.

Em 1956: Câmara vota por unanimidade e houve cessão de terreno para que houvesse a construção da igreja na Praça – agora em novo local.

O local escolhido foi a praça Piratininga, onde a igreja está inclusive hoje.

Em 1962, houve uma ação por parte de pessoas ligadas a própria comunidade do Campo do Galvão. Houve, dessa forma, um extenso trabalho comunitário para que a comunidade tivesse novamente uma capela, com doações extensas de pessoas físicas ligadas ao bairro do Campo do Galvão.

A Festa de São Benedito no Campo do Galvão

Em decorrência das necessidades financeiras para construir e manter a vitalidade tanto da capela, quanto dos festejos, a comunidade se propôs a ajudar no desenvolvimento de festas e quermesses. Além disso, houve a criação de um centro comunitário no Campo do Galvão.

Em paralelo aos festejos, surgiu assim a festa (em louvor a Santa Cruz e São Benedito): “com novena e quermesse, levantamento de mastro, apresentação da Cavalaria de São Gonçalo, distribuição de doces e procissão em honra aos padroeiros e à Corte de São Benedito.”

Elementos da Festa de São Benedito

Os elementos abaixo citados, da Festa de São Benedito, são variados e são encontrados nas festividades da Paróquia Puríssimo Coração de Maria e do Campo do Galvão.

É possível elencar os principais elementos da festa, conforme as explicações do historiador, Benedito Coupé, em sua obra Vento Rio Acima. Para quem está acostumado com a festividade, é interessante verificar que nem tudo o que o historiador comenta e descreve foi mantido da maneira exata.

Sobretudo porque as tradições sofrem influência do tempo, havendo adaptações, sendo que o livro de Coupé é do final dos anos 90. Confira:

1 – Uma Casa da Festa

Coupé menciona esse item: o rei emprestava sua casa bem ampla. Caso não tivesse uma propriedade sua disponível, alguém vinculado ao festejo ajudaria, emprestando. É dela que sai o cortejo, com o altar para o santo – após missa solene. Além disso, é nela também que são feitas as distribuições de doces de São Benedito.

Atualmente, na Paróquia do Puríssimo a distribuição dos doces é feita na sede da Irmandade de São Benedito. No Campo do Galvão são distribuídos na Sede Comunitária do bairro.

2 – Corte de São Benedito

Quando Coupé desenvolveu sua obra, possivelmente havia ainda uma corte preponderante: a da festa do Puríssimo Coração de Maria.

Isso pode ser percebido porque Coupé faz menção a apenas uma corte – embora seja bastante claro que os elementos relacionados ao santo e a tradição africana e lusitana estão em ambas – muito bem preservados.

Hoje, existe uma articulação entre as duas comunidades, para que aconteça um desenvolvimento interessante das festas – isso se concretiza com a ajuda entre os membros do grupo do Campo do Galvão e da Paróquia Puríssimo Coração de Maria.

Coupé menciona alguns elementos fixos:

  • Reis;
  • Juiz;
  • Juíza da Vara;
  • O Juiz e a Juíza do Ramalhete;
  • O Capitão do Mastro;
  • Alferez da Bandeira;
  • Tenente da Coroa.

Coupé menciona o Compromisso da Irmandade – é um documento que explica como seriam eleitos o rei e a rainha da Corte. Nos tempos de antigamente, a determinação é de que fossem ambos pessoas escravizadas.

3 – O “Cortejo de São Benedito” ou do rei e da rainha

O cortejo é fundamental para o acompanhamento do rei e da rainha, normalmente em direção às missas da festa ou a “Casa de Festa”.

Coupé menciona o acompanhamento para a missa, antes da distribuição dos doces, na Sede da Irmandade.

O cortejo é sempre aberto por caixas, normalmente 3. Os cavaleiros e damas seguem a pé, da sede até a Igreja.

4 – A Missa da Festa

Nesse caso, é interessante mencionar a forma como Coupé explica a liturgia de sua época – considerando-se que fazia pouco tempo que a igreja tinha feito suas reformas litúrgicas a partir do Concílio Vaticano II:

“(…) no dia da Festa, havia o que se denominava de Missa Cantada Solene com três oficiantes: Celebrante, Diácono e Subidiácono, com grande coro e uma orquestra de câmara e o órgão, executando-se afamadas “Missas” a 3 ou 4 vozes, com solos, duetos, interlúdios orquestrais, com toda pomposidade herdada da época barroca”.

Quem participa da festa de São Benedito hoje, seja no Puríssimo ou no Campo do Galvão, sabe que as missas da festa não são mais assim. Seguem a típica liturgia pós Vaticano II, bastante simplificada em relação aos moldes anteriores.

No entanto, o principal prevalece: o espírito de humildade e de devoção a São Benedito em primeiro lugar.

5 – As congadas e Moçambiques

Nem sempre os moçambiques estiveram maciçamente presentes na festa. Coupé relata que “a partir dos anos 50 reaparecem os grupos de Congada”.

O historiador relata que os participantes eram vistos com olhares de reprimenda por parte da população, pois na visão dos foliões seria “coisa de caipira” ou “ou fora de moda”.

Porém, na época Monsenhor Rodrigo os incentivou e estão firmes presentes em ambas as festividades até os dias atuais.

Isso, é inclusive totalmente apropriado, porque está relacionado ao espírito da festividade. Relata-se inclusive que muito antigamente, após as festividades religiosas, havia uma enorme fogueira onde se realizavam “espetaculares congadas”.

6 – Os doces de São Benedito

Coupé relata que, antigamente, após a missa abria-se a “Casa de Festa” para distribuição dos doces, mas atualmente é na Sede da Irmandade de São Benedito e na Sede Comunitária, do bairro do Campo do Galvão.

Antigamente, os ingredientes para feitura dos doces eram doados pelos próprios devotos, que muitas vezes o faziam por cumprimento de promessas ao santo.

Hoje, os doces são fabricados (abóbora, batata e mamão) e levados para o local de distribuição. Muitas pessoas inclusive fazem promessas de comer o doce – que é uma delícia.

Recomendo!

7 – O almoço dos cavaleiros

Coupé explica o almoço dos cavaleiros – que não se restringe aos participantes da cavalaria, estendendo-se para os membros de congadas e moçambiques.

Quando o historiador fez o seu relato, o almoço era feito na casa “do chefe da cavalaria”.

Os ingredientes são sempre bastantes parecidos e nutritivos (salada, macarronada, arroz, feijão e carne com batata) – afinal, os cavaleiros precisam caminhar por horas a fio durante a evolução da cavalaria na festa .

8 – Elementos da cavalaria na festividade

Um dos pontos altos da festividade é justamente a cavalaria.

Nos primórdios, a cavalaria era patrocinada pelas elites locais, havendo uma visão de que se trata de uma lembrança do Brasil Colônia que foi incorporada à festividade, uma rememoração dos cavaleiros medievais. Ou ainda, como mencionado, há uma relação com o fato de São Gonçalo do Amarante ter sido violeiro e cavaleiro e alguém que convertia as pessoas para Cristo por meio da música.

Há ainda uma terceira possibilidade sobre a existência da cavalaria. Quando havia festas correlacionadas as devoções dos escravizados, os senhores lhes emprestavam suas montarias para que pudessem fazer seus cortejos. No caso, em homenagem a São Benedito e a Nossa Senhora do Rosário.

9 – A grande procissão de São Benedito

A Procissão na Paróquia Puríssimo Coração de Maria ocorre na tarde da segunda de Páscoa.

Coupé relata que em sua época havia o “cortejo” que acompanhava os reis – ambos trajando vestidos longos.

Na edição de 2023, o rei e a rainha não trajavam vestes longas, mas o cortejo estava ali – amplo e belo. Também na festa do Campo do Galvão, diga-se de passagem.

A festa inclusive é uma grande oportunidade de dar ação de graças ao santo, com direito a pagar promessas: muitos faziam o trajeto descalços e vestiam suas crianças de Beneditos, Ritas e Gonçalos.

Durante o traslado da procissão, vão a frente as 3 caixas de São Benedito, depois os fiéis e, por fim, a cavalaria.

Conclusões sobre a Festa de São Benedito de Guaratinguetá

Nesse conjunto de símbolos, manifestações e crenças, é importante considerar como essas festividades dedicadas a São Benedito criaram contextos e visões específicos do Brasil sobre a religião católica:

“(…)os maracatus, os moçambiques, os sambas, os cateretês, os cururus e os jongos acoplavam-se às festas do Divino, às de Nossa Senhora do Rosário e de São Benedito, às festas da Santa Cruz e de São Gonçalo, atribuindo-lhes novas características e uma conformação diferenciada das que lhes deram origem, algumas delas rituais de origem ibérica”.

Maria Cristina Wissenbach – pesquisadora e professora da USP de História da África

Como pode se perceber, a festividade de São Benedito traz um profundo significado de religião, ancestralidade, política e uma certa mística – tudo isso acontecendo em nossa frente, nos emocionando.

Nos ensina a nos conectar com o homem negro que trabalhava na cozinha e a compreender que, para encontrar o Cristo, é realmente necessário parecer com Benedito: sua face negra que nos alegra em todas as suas festividades depois da Ressurreição.

Aproveite e confira este vídeo, com Tiago Xavier – que é teólogo e que nos traz uma análise simbólica, filosófica e antropológica bastante diferenciada sobre a festa:

No ano de 2023, a escola de samba guaratinguetaense, Acadêmicos do Campo do Galvão – sediada no mesmo bairro da Capela de Santa Cruz e São Benedito, teve como enredo a vida e a Festa de São Benedito – que é o padroeiro da escola. Confira o clipe diretamente do canal da agremiação no YouTube:

Neste material, podemos encontrar uma entrevista com Frei Alvaci que acabou de lançar um livro interessantíssimo sobre a festa de São Benedito e que nos deixou a exclusiva sobre a sua pesquisa:

Confira:

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