Quer conhecer esse coral? Nesse texto você vai aprender o caminho das pedras…
Ilustração de Marcelo Cândido • Imagem de Samara Araújo
Nunca acreditei em fantasmas. Chegava até mesmo a rir quando ouvia alguma história sobrenatural. Por isso mesmo, zombei quando um amigo me convidou para um passeio inusitado, no último feriado. Ele queria conferir o caso do coral de assombrado de Camargos.
E onde fica Camargos? Simplesmente, há 13 km de Mariana, cidade com o maior número de fantasmas entre as cidades históricas mineiras.
E eu nunca tinha ouvido falar sobre isso. Entusiasmado, ele me contou a história: Camargos é bem pequenininho. Distrito de Mariana. O número de moradores não chega a 100. É um lugar bem antigo, da época da fundação da vila.
São poucas casas no lugar e lá é relativamente tranquilo. Mas quando anoitece… Ah! Os moradores são obrigados a lidar com uma situação no mínimo curiosa.
É que o pequeno distrito tem seu próprio fantasma. E, pasme! Não é só um, mas um conjunto de espíritos que assombra as noites, no lugar. É o Coral Assombrado de Camargos.
De malas prontas…
A história não me convenceu. Mas esticar o feriado me parecia bom. Então, aceitei prontamente o convite. Coloquei as malas no carro e lá fomos nós. Conhecer mais um dos mistérios das cidades históricas de Minas Gerais.
Chegamos em Mariana no meio da tarde. A simples visão da cidade faz a gente voltar no tempo. As ruas calçadas por pedra-sabão e cercadas pelos imensos casarões são um convite à cultura.
Antes de partir para nosso destino, curtimos um pouco o ar de Mariana. Ficamos observando o ambiente em um simpático café e “apreciando a fresca”, como se diz aqui em Minas.
Aquele clima nostálgico eu já conhecia. Só não tinha estado ainda no distrito de Camargos, e nem imaginei que passaríamos a noite lá.
Mas embarquei, literalmente, na “viagem” do meu amigo. Era de tardezinha quando chegamos em Camargos. Ruas pequenas, sem calçamento e umas poucas casas. No alto de um morro bem íngreme, surge a igreja Matriz de Nossa Senhora da Conceição. Construída no início do século XVII, a igreja tem como acesso uma escadaria gasta pelo tempo. Apesar do aspecto histórico e cativante, o conjunto é de arrepiar.
Abaixo da escadaria surge o Cruzeiro mais lindo que já vi. É uma peça artística incrível, toda trabalhada e feita em pedra-sabão. Meu amigo comentou que é o único feito com esse material em Minas Gerais.
A noite em Camargos
Eu já estava quase me esquecendo do tínhamos vindo fazer ali, quando meu amigo convidou para irmos embora. Era preciso chegar cedo. Ficaríamos na casa de uma famosa quitandeira que, gentilmente, aceitou nos hospedar.
Dona Sinhá nos recebeu com a cordialidade dos mineiros. Ofereceu-nos um saboroso café e mostrou nossos aposentos. “A noite era para descanso” – avisou ela. No lugarejo todo mundo dormia cedo.
Mesmo cansada, tive dificuldade em pegar no sono. A ansiedade do assunto que nos levou até ali, fez com que eu revirasse bastante na cama. Até que comecei a pegar no sono.
Sons de outro mundo: o coral assombrado de Camargos!
E foi nesse momento que eu ouvi. Sim, eu ouvi!!!
Vozes que cantavam em uma frequência estranha e que pareciam vindas de outra dimensão. Eram acompanhadas por um instrumento grave, que bem poderia ser um órgão de tubos. O som começou bem baixinho e foi crescendo. Eu não consegui identificar uma palavra. Mas pude perceber que cantavam em latim.
Todo o meu corpo ficou paralisado e eu não conseguia mexer um dedo. Mas meu cérebro estava bem acordado, ouvindo o coral assombrado de Camargos. Na outra cama, no quarto pequeno, porém, meu amigo dormia tranquilamente.
Não sei quanto tempo passou até que tudo ficou em silêncio. Sem ter coragem para sequer virar na cama, eu esperei a madrugada chegar. Galos cantavam ao longe e eu grudada na cama. Até que ouvi barulhos em casa, mostrando que o dia havia chegado.
Nossa simpática anfitriã nos ofereceu um café digno dos monarcas que já passaram por Camargos, em tempos bem distantes.
Ninguém comentou nada sobre a noite anterior. Agradecemos o “pouso” e fomos embora. Paralisada pela experiência não consegui contar nada para meu amigo.
Estranhamente, ele não comentou sobre o que nos levara até ali. Em silêncio, atravessamos as ruas quase desertas de Camargos. As duas torres com os sinos centenários e expostos ao tempo foram desaparecendo devagarinho no retrovisor do carro. Nosso destino, agora, era uma cachoeira na zona rural de Mariana. Dias depois falei com ele sobre o que presenciei.
E ele, é claro, não acreditou em uma palavra. O que eu sei é que nunca vou esquecer a música que ouvi naquela noite no distrito de Camargos. E que, definitivamente, não é desse mundo.
Não é desse mundo o coral assombrado de Camargos.
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