A procissão das almas é uma lenda que nasceu em Mariana. Cheia de mistérios, conta sobre uma senhora que ficava na janela de sua casa de madrugada, sem conseguir dormir.
Aprendi esse causo com minha avó, que me contou que essa senhora era fofoqueira e que adorava espiar o que os outros faziam na madrugada.
Então, em uma dessas noites, lá estava a senhora espiando a vida alheia, quando, de repente, escutou gemidos assustadores.
Era meia noite em ponto…
Mesmo com os barulhos ameaçadores e a hora avançada, não se amedrontou. A curiosidade era maior: ela se inclinou em sua janela e viu pessoas vestidas de branco caminhando penosamente com velas acesas às mãos e sendo guiadas por um ente envolvido por vestes sombrias.
Ela achou estranho, pois era beata, frequentadora assídua da igreja e sabia que naquele dia não havia procissão. E, se houvesse, os sinos tocariam, chamando à população.
A situação lhe trouxe uma sensação esquisita e um arrepio, mas a curiosidade que lhe era peculiar, foi muito maior e a fez permanecer esperando a procissão passar para ver se identificava algum conhecido.
A senhora não identificou ninguém e não conseguia ver os rostos, que permaneciam abaixados e caminhando lentamente. Porém, alguém saiu do translado da procissão e se aproximou da janela da senhora.
Ao chegar, pediu-lhe que guardasse a vela que segurava, pois a procissão estava no fim.
A pessoa misteriosa lhe disse que estava muito cansada e precisava voltar para a casa. No dia seguinte, voltaria para pegar sua vela.
A senhora achou estranho, principalmente pelo fato da pessoa falar sem lhe olhar nos olhos, sempre de cabeça baixa. Mas resolveu ser gentil e guardar a vela.
O ser misterioso voltou, então, para a procissão e seguiu seu rumo desconhecido com a mesma, sumindo na bruma da noite.
A senhora fofoqueira, muito cansada, guardou, então, a vela em seu baú e foi dormir.
No dia seguinte, a curiosidade veio em primeiro lugar: queria saber quem era a tal pessoa misteriosa e correu para o baú para conferir o que lhe havia confiado.
Mas se sentiu estranha de imediato. O arrepio lhe arrebatou mais forte do que na noite anterior e percebeu um odor desagradável no quarto.
Um clima pesado pairou sobre a casa
Sentia calafrios e suava. Parecia que sua pressão estava caindo. Sentia-se mais fraca à medida que se aproximava do baú.
Era um misto de angústia, medo e um clima de morte no ar.
Até que chegou no baú.
Queria abrir, mas procrastinava. Tinha medo do que estava a lhe esperar.
As sensações já lhe diziam tudo, mesmo estando com o raciocínio abalado, a percepção não lhe enganava: o problema não era sua saúde – era forte como um touro. O mal estava no baú.
E depois de muito pensar. Tomou coragem:
– Vou abrir, pensou.
Pensou, e agiu, e se estremeceu.
O medo a possuiu de vez.
Correu para fora da casa e pediu ajuda.
– Socorro, socorro! Gritava aflita.
– O que aconteceu, perguntaram-lhes os vizinhos, que nunca a tinham visto transtornada daquela forma.
Chegando ao local, todos se chocaram: era um osso!
A vela na verdade era um osso.
Um osso de um adulto que começava a apodrecer.
Aterrorizada, a fofoqueira jogou o osso fora e, segundo a minha avó, especialista em lendas, nunca mais visitou sua janela para espiar a vida alheia.
Alguns dizem que foi um castigo por ela ser tão fofoqueira e se deu mal por espiar na janela no dia que as almas saiam para fazer sua procissão.
Que azar: era a procissão das almas!
E, devido a essa lenda, a cidade de Mariana comprou a tradição de realizar uma procissão de vivos, que representam almas, em toda virada da Sexta Feira da Paixão.
Tornou-se uma tradição nossa a celebração dessa procissão, pois é uma forma de resgate da cultura local.
Os vivos se vestem de mortos e saem clamando nas ruas no sábado de aleluia, na semana santa, exatamente a meia noite. Nisso consiste a nossa celebração da lenda da procissão das almas.
Vocês, turistas, venham nos fazer uma visita para assistir a esse mistério ambulante tão intrigante. Apenas tomem cuidado na hora de voltar para casa, pois nunca se sabe o que pode acontecer nas terras marianenses.
E nada de fofocar na janela sobre a vida alheia, hein? Afinal, aquela alma penada ainda não resgatou aquele osso…